terça-feira, 11 de junho de 2013

Privatização da Vale - Justiça reconhece fraude

Maíra Kubík Mano,
da Rede Democrática

Se você tivesse um cacho de bananas que valesse R$9,00, você o colocaria à venda por R$0,30? Óbvio que não. Mas foi isso que o governo federal fez na venda de 41% das ações da Companhia Vale do Rio Doce para investidores do setor privado, em 1997. Eles pagaram R$3,3 bilhões por uma empresa que vale perto de R$100 bilhões. Quase dez anos depois, a privatização da maior exportadora e produtora de ferro do mundo pode ser revertida.
Em 16 de dezembro do ano passado, a juíza Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília, anulou a decisão judicial anterior e reabriu o caso, possibilitando a revisão do processo. “A verdade histórica é que as privatizações ocorreram, em regra, a preços baixos e os compradores foram financiados com dinheiro público”, afirma Selene. Sua posição foi referendada pelos juízes Vallisney de Souza Oliveira e Marcelo Albernaz, que compõem com ela a 5ª turma do TRF.
Entre os réus estão a União, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Eles são acusados de subvalorizar a companhia na época de sua venda. Segundo as denúncias, em maio de 1995 a Vale informou à Securities and Exchange Comission, entidade que fiscaliza o mercado acionário dos Estados Unidos, que suas reversas de minério de ferro em Minas Gerais eram de 7.918 bilhões de toneladas. No edital de privatização, apenas dois anos depois, a companhia disse ter somente 1,4 bilhão de toneladas. O mesmo ocorre com as minas de ferro no Pará, que em 1995 somavam 4,97 bilhões de toneladas e foram apresentadas no edital como sendo apenas 1,8 bilhão de toneladas.
Outro ponto polêmico é o envolvimento da corretora Merrill Lynch, contratada para avaliar o patrimônio da empresa e calcular o preço de venda. Acusada de repassar informações estratégicas aos compradores meses antes do leilão, ela também participou indiretamente da concorrência por meio do grupo Anglo American. De acordo com o TRF, isso comprometeu a imparcialidade da venda.
A mesma Merrill Lynch, na privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF) da Argentina, reduziu as reservas declaradas de petróleo de 2,2 bilhões de barris para 1,7 bilhão.
Nova perícia - 
Depois da venda da Vale, muitas ações populares foram abertas para questionar o processo. Reunidas em Belém do Pará, local onde a empresa está situada, as ações foram julgadas por Francisco de Assis Castro Júnior em 2002. “O juiz extinguiu todas as ações sem apreciação do mérito. Sem olhar para tudo aquilo que nós tínhamos dito e alegado. Disse que o fato já estava consumado e que agora analisar todos aqueles argumentos poderiam significar um prejuízo à nação”, afirma a deputada federal doutora Clair da Flora Martins (PT/PR).
O Ministério Público entrou com um recurso junto ao TRF de Brasília, que foi julgado no ano passado. A sentença determinou a realização de uma perícia para reavaliar a venda da Vale. No próximo passo do processo, as ações voltam para o Pará e serão novamente julgadas. Novas provas poderão ser apresentadas e os réus terão que se defender.
Para dar visibilidade à decisão judicial, será criada na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Público. A primeira ação é mobilizar a sociedade para discutir a privatização da Vale. “Já temos comitês populares em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Pará, Espírito Santo, Minas Gerais e Mato Grosso”, relata a deputada, uma das articuladoras da frente.
“Precisamos construir um processo de compreensão em cima da anulação da venda da Vale, conhecer os marcos gerais dessas ideias a partir do que se tem, que é uma ação judicial, e compreendê-la dentro de um aspecto mais geral, que é o tema da soberania nacional”, acredita Charles Trocate, integrante da direção nacional do MST. Ele participa do Comitê Popular do Pará, região que tem forte presença da Vale.
Entre os marcos da privatização, que serão estudados e debatidos nos próximos meses nos comitês, está o Plano Nacional de Desestatização, de julho de 1995. A venda do patrimônio da Vale fez parte de uma estratégia econômica para diminuir o déficit público e ampliar o investimento em saúde, educação e outras áreas sociais. Cerca de 70% do patrimônio estatal foi comercializado por R$60 milhões, segundo o governo. “Vendendo a Vale, nosso povo vai ser mais feliz, vai haver mais comida no prato do trabalhador”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1996. A dívida interna, entretanto, não diminuiu: entre 1995 e 2002 ela cresceu de R$108 bilhões para R$654 bilhões.
Na época, a União declarou que a companhia não custava um centavo ao Tesouro Nacional, mas também não rendia nada. “A empresa é medíocre no contexto internacional. É uma péssima aplicação financeira. Sua privatização é um teste de firmeza e determinação do governo na modernização do Estado”, afirmou o deputado Roberto Campos (PPB/SP) em 1997. No entanto, segundo os dados do processo, o governo investiu R$2,71 bilhões durante toda a história da Vale e retirou R$3,8 bilhões, o que comprova o lucro.
“O governo que concordou com essa iniciativa não tinha compromisso com os interesses nacionais”, diz a deputada doutora Clair.
Poder de Estado - 
A Vale se tornou uma poderosa força privada. Hoje ela é a companhia que mais contribui para o superávit da balança comercial brasileira, com 54 empresas próprias nas áreas de indústria, transporte e agricultura.
“Aqui na região de Eldorado dos Carajás (PA), a Vale sequestra todo mundo: governos municipais e governo estadual. Como o seu Produto Interno Bruto é quatro vezes o PIB do estado Pará, ela se tornou o estado econômico que colonizou o estado da política. Tudo está em função de seus interesses”, coloca Charles Trocate.
Trocate vivência diariamente as atividades da empresa no Pará e a acusa de gerar bolsões de pobreza, causados pelo desemprego em massa, desrespeitar o meio ambiente e expulsar sem-terra e indígenas de suas áreas originais.
“Antes da privatização, a Vale já construía suas contradições. Nós temos clareza de que a luta agora é muito mais ampla. Nesse processo de reestatização, vamos tentar deixar mais claro quais são as mudanças que a empresa precisa fazer para ter uma convivência mais sadia com a sociedade na região”, diz Trocate. De acordo com um levantamento do Instituto Ipsos Public Affairs, realizado em junho de 2006, a perspectiva é boa: mais de 60% dos brasileiros defendem a nacionalização dos recursos naturais e 74% querem o controle das multinacionais.

Patrimônio da Vale em 1996 -
● maior produtora de alumínio e ouro da América Latina
● maior frota de navios graneleiros do mundo
● 1.800 quilômetros de ferrovias brasileiras
● 41 bilhões de toneladas de minério de ferro
● 994 milhões de toneladas de minério de cobre
● 678 milhões de toneladas de bauxita
● 67 milhões de toneladas de caulim
● 72 milhões de toneladas de manganês
● 70 milhões de toneladas de níquel
● 122 milhões de toneladas de potássio
● 9 milhões de toneladas de zinco
● 1,8 milhão de toneladas de urânio
● 1 milhão de toneladas de titânio
● 510 mil toneladas de tungstênio
● 60 mil toneladas de nióbio
● 563 toneladas de ouro
● 580 mil hectares de florestas replantadas, com matéria-prima para a produção de 400 mil toneladas/ano de celulose
Fonte: Revista Dossiê Atenção – “Porque a venda da Vale é um mau negócio para o país”, fls. 282/292, da Ação Popular nº 1997.39.00.011542-7/PA.

Quanto vale hoje - 
● 33 mil empregados próprios
● participação de 11% do mercado transoceânico de manganês e ferro-liga
● suas reservas de minério de ferro são suficientes para manter os níveis atuais de produção pelos próximos 30 anos
● possui 11% das reservas mundiais estimadas de bauxita
● é o mais importante investidor do setor de logística no Brasil, sendo responsável por 16% da movimentação de cargas do Brasil, 65% da movimentação portuária de granéis sólidos e cerca de 39% da movimentação do comércio exterior nacional
● possui a maior malha ferroviária do país
● maior consumidora de energia elétrica do país
● possui atividades na América, Europa, África, Ásia e Oceania
● concessões, por tempo ilimitado, para realizar pesquisas e explorar o subsolo em 23 milhões de hectares do território brasileiro (área correspondente aos territórios dos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba e Rio Grande do Norte)
Fonte: 5ª Turma do TRF da 1ª Região
Fonte - Brasil de Fato 11/06/2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Governo fará fórum para resolver a questão indígena em Sidrolândia

Marcelo Brandão
Repórter da Agência Brasil

Brasília - O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, informou na noite desta quinta-feira (6) que um fórum deve ser criado para negociar as terras ocupadas por indígenas em Mato Grosso do Sul . No fórum, os representantes dos índios, dos fazendeiros e o governo vão tentar um acordo para o impasse na Fazenda Buritis.
“Pretende-se criar um fórum de negociação em que o governo federal estará presente. Vou propor ao governo estadual, à magistratura e a representantes dos dois lados a possibilidade de debatermos e chegarmos a um acordo sobre como podemos solucionar esse conflito”.
A proposta do governo foi apresentada em uma reunião de três horas, no Ministério da Justiça. Na reunião estavam, além de Cardozo, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams; a subprocuradora-geral da República, Gilda Carvalho; além de cerca de 60 índios da etnia Terena e suas lideranças. O fórum deve ter início em até 15 dias e a expectativa é que as negociações durem até dois dias.
O índio terena Antônio Aparecido, que participou do encontro com o governo, aposta no sucesso do fórum. “Para nós é um ponto positivo [a proposta do governo], apesar de várias audiências. Mais uma vez vamos acreditar na Justiça para que possa ser agilizado o mais rápido possível”.
Cardozo enfatizou ainda que a saída para solução do impasse precisa ser pacífica. “Eu deixei claro que não há possibilidade de sentar para negociar enquanto houver conflitos da forma que está. Aqueles que acham que com radicalização resolve o problema da questão indígena estão errando”.
Antes da reunião, o clima era de expectativa por parte dos índios, que ocupavam um auditório no ministério. O coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Lindomar Terena, se mostrou desapontado com a forma do governo conduzir a relação com os índios. “Desde que a presidenta Dilma assumiu, o movimento indígena não foi recebido por ela. Em compensação, a bancada ruralista foi recebida cinco vezes no último mês. Isso mostra claramente para nós o lado que o governo federal preferiu estar”.
Elisur Gabriel, irmão de Osiel Gabriel, morto em 30 de maio, esteve em Brasília e demonstrou apreensão com apresença da Força Nacional em Sidrolândia. “Eu não tenho o hábito de conviver com policiais armados até os dentes. Eu sinto medo. Depois que a polícia matou o meu irmão, eu tenho mais medo da polícia, principalmente das Forças Armadas”.
Fonte - Agência Brasil  06/06/2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

A Força Nacional começa a atuar amanhã em Sidrolândia MS

Luciano Nascimento

Enviado especial
Sidrolândia – Os 110 homens da Força Nacional começam a atuar na manhã desta sexta-feira (7) em Sidrolândia, localizada a 70 quilômetros de Campo Grande (MS). O local tem sido palco de conflitos entre índios terenas e fazendeiros que resultaram na morte de um índio, na última quinta-feira (30), durante tentativa de retirada dos terenas que ocupavam a Fazenda Buriti.
A participação foi acertada no final da tarde desta quinta-feira (6), após reunião do comando da Força Nacional com um grupo de 50 lideranças dos índios terenas que desde o dia 15 ocupam quatro fazendas na região. Também participaram da reunião representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Vamos fazer um trabalho de pacificação e de polícia comunitária e a partir de amanhã estaremos fazendo este patrulhamento”, disse o comandante da operação da Força Nacional em Sidrolândia, major Luiz Alves. A previsão é que a operação tenha início por volta das 7h (horário de Mato Grosso do Sul, 8h em Brasília), caso a logística necessária para a ação seja assegurada pelo governo do estado. A operação da Força Nacional foi chamada Unati Vapeia Neun - Paz no Campo.
A portaria autorizando a presença da Força Nacional na região foi publicada hoje no Diário Oficial da União. Ela também determina a presença da força no município de Aquidauana (MS). O efetivo ficará na região por 180 dias, podendo permanecer mais tempo, caso haja pedido do governador do estado, André Puccinelli (PMDB-MS). De acordo com Alves, a intenção da Força Nacional é garantir a segurança de índios e fazendeiros e promover a pacificação. “A Força Nacional não está aqui para fazer reintegração de posse, só pacificação”, reiterou.
As equipes da Força Nacional, compostas por 110 homens e 16 viaturas, fará atividades de policiamento ostensivo e preventivo. Eles ficarão alojados na cidade e serão distribuídos em cinco pontos de bloqueio para controlar o acesso às fazendas e aldeias na área de conflito. Os índios aceitaram a proposta de que os homens entrem nas áreas por eles ocupadas. Já nas fazendas que não estiverem ocupadas, a Força Nacional, a princípio, não entrará. “Vamos patrulhar nas terras indígenas. Se necessário for, vamos [entrar nas fazendas], se os índios precisarem de apoio, estaremos lá. Não só os índios, mas os produtores rurais também” esclareceu.
Para a liderança terena Jânio Reginaldo a proposta atendeu a expectativa. “Era aquilo que a gente esperava de trazer a tranquilidade na medida da necessidade da sociedade. Nós não queremos violência e a Força Nacional veio trazer a esperança que de fato haja [paz]. Isso para a gente é bom, porque tem pessoas que vão para a faculdade, para a escola a noite, tem os irmãos que trabalham, então é importante ter essa tranquilidade”, disse.
Pela manhã, o Comando-Geral da Polícia Militar, as chefias da PM e da Força Nacional se reuniu com representantes da Funai, da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), com a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) e secretaria de Estado da Produção. O encontro também serviu para apresentar a proposta de atuação na região.
Para o presidente da Famasul, Eduardo Riedel, o governo tem que buscar uma solução para o conflito. “Nós temos um conflito em andamento e pressionamos muito o Ministério da Justiça que enviasse essas forças para cá, para não deixar um território sem lei. Temos que buscar uma solução para que não haja nenhum tipo de conflito na região. A força cria uma estabilidade momentânea, mas nós temos que ter uma vontade política do governo federal para tentar encaminhar uma solução dentro da demanda dessas comunidades [indígenas]”.
A estratégia de intervenção da Força Nacional começou a ser delineada na última terça-feira (5), após visita do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo à região. Em Campo Grande, Cardozo fez um apelo a índios, fazendeiros e lideranças rurais pedindo serenidade, tranquilidade e disposição ao diálogo para resolver o impasse.
O ministro viajou a Mato Grosso do Sul horas depois de um índio terena ter sido baleado na região de Sidrolândia. No mesmo dia, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) suspendeu a reintegração de posse da Fazenda Buriti. O desembargador José Lunardelli determinou a suspensão da retirada dos indígenas até que a discussão sobre a posse da terra seja encerrada definitivamente na Justiça.
Os índios reivindicam a área de 17,2 mil hectares (um hectare corresponde a 10 mil metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol oficial) como território tradicional em um processo que dura 13 anos. Em 2004, a Justiça Federal declarou que as terras pertenciam aos produtores rurais. A Funai e o Ministério Público Federal recorreram. Em 2006, o TRF declarou a área como de ocupação indígena. A Terra Indígena Buriti foi reconhecida em 2010 pelo Ministério da Justiça como de posse permanente dos terena. Mas a portaria, publicada no Diário Oficial da União, ainda não foi homologada pela Presidência da República. Os produtores rurais recorreram e conseguiram decisão favorável em junho de 2012.
Na tarde de hoje lideranças indígenas do povo terena também se reuniram em Brasília com os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, da Casa Civil, Gleisi Hoffmann e da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho e membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público CNMP). Ao final ficou acertada a criação em 15 dias de um fórum com todas as partes envolvidas para debater uma solução comum para o conflito na região de Sidrolândia (MS) e Aquidauana (MS).
Fonte - Agência Brasil  06/06/2013