quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Mudar a economia para sair da crise

Política

foto - ilustração
Mais de 100 profissionais, entre economistas, cientistas políticos, urbanistas, educadores, sanitaristas e outros, participaram da elaboração do documento, uma iniciativa conjunta do Brasil Debate, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Fórum 21, Fundação Perseu Abramo, Le Monde Diplomatique Brasil , Plataforma Política Social e Rede Desenvolvimentista.

Por Paula Quental, no site Brasil Debate
Existem caminhos para o Brasil sair da recessão e retomar o crescimento que não passam pelo ajuste fiscal comandado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Algumas dessas saídas, que “se insurgem contra a ditadura do pensamento único”, como definiu o presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, foram reunidas no documento “Por um Brasil Justo e Democrático”, lançado ontem, em São Paulo, na presença de lideranças de partidos políticos, movimentos sociais, organizações da sociedade civil, sindicalistas, jornalistas e acadêmicos.
Mais de 100 profissionais, entre economistas, cientistas políticos, urbanistas, educadores, sanitaristas e outros, participaram da elaboração do documento, uma iniciativa conjunta do Brasil Debate, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Fórum 21, Fundação Perseu Abramo, Le Monde Diplomatique Brasil , Plataforma Política Social e Rede Desenvolvimentista.
Com a proposta de ser um texto em construção, que incentive na sociedade o debate sobre um projeto de desenvolvimento para o país, o documento tem como ponto de partida o entendimento de que o ajuste fiscal em curso assenta-se sobre um erro de diagnóstico da situação da economia brasileira. E que, a pretexto de combater a crise, pôr ordem nas contas fiscais e atrair investimentos é, ele próprio, o grande responsável por jogar o Brasil na recessão.
Para os coordenadores do documento, não só não é verdade que não existem alternativas para o país fora das medidas de austeridade, como esta opção é associada claramente aos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. “O documento se opõe ao terrorismo do ‘curto prazismo’ imposto pelo mercado financeiro à atuação dos governos”, resumiu Pochmann.
De acordo com Pedro Rossi, e coordenador do Brasil Debate, não havia no Brasil, em 2014, um cenário de crise que justificasse os sacrifícios impostos à população pela atual política econômica. “O documento faz um breve diagnóstico da situação do Brasil, que se contrapõe à leitura dominante; elaboramos a nossa própria narrativa sobre os fatos recentes”, disse.
Rossi explica que entre 2005 e 2011 o país viveu um círculo virtuoso de crescimento com distribuição de renda, aumento salarial, expansão do consumo e crédito. Mas que, ao contrário do que dizem os economistas liberais, o foco no consumo não se mostrou artificial, mas ajudou a consolidar o mercado interno e deu escala às empresas, “promovendo uma distribuição de renda funcional ao desenvolvimento brasileiro”.
Mas esse modelo, segundo ele, também teve suas “lacunas”, pois se centrou na inclusão social pelo consumo de bens privados e não de bens públicos, assim como teve seus deslizes, uma vez que não logrou uma coordenação de políticas publicas que fizessem avançar e diversificar a estrutura produtiva. “Fizemos uma modernização nos padrões de consumo da população sem uma modernização da estrutura produtiva que desse suporte”.
Hoje, as melhoras distributivas e os avanços sociais estão ameaçados por um ajuste recessivo, fiscal e monetário, e pelas reformas liberais que avançam no Executivo e Legislativo. “É uma irresponsabilidade fiscal jogar o país em recessão”, afirma o economista. “Responsabilidade fiscal é estimular o crescimento, preservar o emprego para aumentar a arrecadação”.

Riscos à Constituição de 1988
Para outro autor do documento, o coordenador da Plataforma Política Social Eduardo Fagnani, uma das piores consequências do discurso que defende o ajuste como única saída é a defesa da revisão dos direitos sociais estabelecidos pela Constituição de 1988. “Precisamos defender a Constituição de 1988; os economistas liberais sentenciam que o ajuste fiscal requer rever conquistas da Constituição”, alertou.
Segundo ele, para avançar nas conquistas sociais, enfrentar a desigualdade de renda e patrimônio, “uma das mais elevadas do mundo”, e fazer o país voltar a crescer, é necessário flexibilizar a política econômica baseada no velho consenso do tripé macroeconômico (metas de inflação, câmbio flutuante e metas de superávit primário). “Até o FMI reconhece que essa política precisa ser flexibilizada, vários países já flexibilizaram, mas mexer com o tripé aqui no Brasil é visto como heresia”.
Para o diretor-presidente da Carta Maior e membro do grupo executivo do Fórum 21, Joaquim Palhares, todas essas questões precisam ser discutidas pela sociedade. “Há uma perplexidade, as pessoas não estão entendendo o que está acontecendo. É preciso esclarecer o momento que estamos vivendo”, disse, lembrando que, por causa do discurso único adotado pela grande imprensa, muitas informações não chegam à população, ou chegam pela metade.
Silvio Caccia Bava, diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil, lembrou que “enfrentar o discurso de que o ajuste é necessário, mostrando que há alternativas e que o neoliberalismo não trata do futuro do país, não almeja a construção de um país mais igual, mais justo, mais democrático”, é uma das funções do documento.

Para mudar já
Com cerca de 140 páginas, o documento se divide em dois volumes (“Mudar para sair da crise – alternativas para o Brasil voltar a crescer” e “O Brasil que Queremos – subsídios para um projeto de desenvolvimento nacional”) e traz também sugestões de medidas a serem tomadas no curto prazo que poderão contribuir para retirar o país da crise.
Guilherme Mello, representante da Rede Desenvolvimentista, enumerou algumas delas. Por exemplo, estabelecer “bandas” para a meta de superávit fiscal, já adotadas por diversos países, como forma de evitar expectativas negativas diante de quedas de receita ou gastos inesperados.
Outras propostas práticas são: retirar parte ou a totalidade dos investimentos do cálculo da meta do superávit primário (outra iniciativa posta em prática por vários outros países); passar a calcular a inflação pelo núcleo de preços (deixando de usar o IPCA, que inclui produtos e serviços com preços determinados por fatores externos, que não são alvo de controle da política monetária); regulamentar o mercado cambial observando fluxos de capital e operações com derivativos e reduzir a taxa de juros, cuja alta não se justifica em períodos de recessão e quando a inflação é causada principalmente por custos e não por demanda.
Entre os especialistas que contribuíram para a construção do documento, e que também estiveram presentes ao lançamento, estão Ana Fonseca, Antonio C. Lacerda, Clemente Ganz Lúcio, Wolfgang Leo Maar.

Esperança e Mudança
Ao anunciar o lançamento do documento, Pochmann chegou a citar como inspiração o texto “Esperança e Mudança”, lançado pelo PMDB em 1982, e que até hoje é lembrado como um dos programas desenvolvimentistas mais sólidos já elaborados, que deu importantes contribuições para a Constituição de 1988.
Um dos seus autores, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, também contribuiu para a redação de “Por um Brasil Justo e Democrático”. Ele resumiu as expectativas em relação ao documento: “Na minha forma de ver, os economistas aqui são apenas consultores, a sociedade é que tem que levar isso a cabo. Sem construção social, não vai acontecer nada. Só acredito no movimento da sociedade”.
Estiveram ainda presentes ao lançamento, entre outros, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul pelo PT, João Pedro Stédile, líder do MST, e Roberto Amaral, ex-presidente do PSB.
Fonte - Blog do Miro   29/09/2015

sábado, 12 de setembro de 2015

Os “revoltados” da sonegação. R$ 150 bilhões em um só ano

Política


Um ralo que toma do dinheiro público, em uma semana, mais do que a ladroeira dos Youssefs e Paulo Roberto Costa em anos e anos de safadezas.

Por Fernando Brito
O Estadão dá, agora à noite, manchete sobre a “polêmica” causada (segundo o jornal) entre os advogados tributários pela tardia decisão da receita Federal de apressar a cobrança de impostos devidos por 400 grandes contribuintes e que somariam R$ 20 bilhões.
Pela média, uma dívida de R$ 50 milhões “por cabeça”, com média de três a cinco anos, com recursos já recusados.
Há dias, este Tijolaço foi um dos poucos lugares onde se noticiou a mudança no critério de fiscalização de impostos, inclusive com meu hilário exemplo pessoal, de ter tomado tempo e dinheiro do Fisco com uma autuação – que levou quatro anos para ser revista, porque errada – que somava fantásticos seis centavos, ou 11 centavos, com multa e juros de mora.
Alegam que a Receita “atropelou” as defesas dos grandes contribuintes.
Compare o querido amiga e a distinta leitora o tratamento que tem o cidadão comum pelo “Leão” nas famosas “malhas finas”.
Sem contar que o grande contribuinte não tem a menor dificuldade de impugnar judicialmente a cobrança, coisa que para nós, mortais, é inviável, porque mesmo diante de uma cobrança que consideramos injusta, temos de pensar 100 vezes antes de decidir gastar com advogado mais do que está sendo cobrado.
Dá-se, então, um caso como o da autuação do Itaú em “apenas” R$ 18,7 bilhões em agosto de 2013, algo que chega hoje (se é que o valor divulgado refere-se à data da notícia, e não data anterior) a R$ 23,3 bilhões, corrigido pela Selic, que indexa dívidas tributárias.
Reparem a desproporção e o tamanho da sonegação fiscal – e só daquela que é “pega” – no Brasil: só no primeiro semestre deste ano foram apurados R$ 75 bilhões em fuga de impostos, quase R$ 22 bilhões a mais que um ano antes. “Apesar da crise”, é claro, que fez se reduzir, em termos reais, o recolhimento de impostos.
Deste valor, informou também o Estadão, “75% referem-se a grandes contribuintes, com receita bruta superior a R$ 150 milhões”.
Quer dizer, R$ 56 bilhões devidos por gente de alta, altíssima bufunfa no bolso.
Se apenas isso, apenas isso, se repetir no segundo semestre, temos R$ 112 bilhões, suficiente para fazer os “sonhados” 0,7% do PIB de superavit fiscal para 2016 ( R$ 43,8 bilhões) não apenas serem alcançados mas dobrados e quase triplicados.
E, como as fiscalizações estão, na maioria, ainda em curso, em meio a análise, o valor mais do que dobrará.
Ano passado, foram R$ 151 bilhões em autuações, registram os dados oficiais da Receita.(http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/resultados/fiscalizacao/arquivos-e-imagens/12015_03_05-plano-anual-da-fiscalizacao-2015-e-resultados-2014.pdf)
R$ 144 bilhões lançados sobre 14.298 pessoas jurídicas. E R$ 7 bilhões lançados sobre 351.534 pessoas físicas. E olhem que destes R$ 7 bilhões, quase um terço (R$ 2,1 bi) foram sobre proprietários ou dirigentes de empresas, que deixaram de pagar sobre, principalmente, venda ou permuta de ações ou cotas de participação societária.
A sonegação – repito, a que é detectada e objeto de autuação fiscal – atinge estes valores monstruosos, mas não chama a atenção de nossa imprensa, que sai em defesa do “contribuinte”, usando a multidão de pessoas que, por erro ou desencontro numa despesa médica irrisória cai na “malha fina” como colchão para a grossa fuga de impostos que não está, de forma alguma, no pequeno contribuinte.
Um ralo que toma do dinheiro público, em uma semana, mais do que a ladroeira dos Youssefs e Paulo Roberto Costa em anos e anos de safadezas.
Sem Moro, sem “moralistas de plantão”, sem Fábio Júnior, sem Revoltados Online, sem editoriais.
Sem vergonha.
Fonte - Tijolaço  11/09/2015

Os bancos preparam a próxima crise global

Economia

Imagem: Sj J,Bankers, 2010
Como a aristocracia financeira recuperou poderes e regalias que levaram ao terremoto de 2008. Por que, ao poupar este setor, políticas como “ajuste fiscal” brasileiro abrem caminho para novo desastre

Por Susan George 
Tradução: Gabriela Leite 
Sempre otimista, não acreditei que os bancos sairiam da crise de 2007 a 2008 mais fortes que antes, sobretudo em termos políticos. É verdade que alguns pagaram multas que os fizeram cambalear — um total de 178 bilhões de dólares para os bancos norte-americanos e europeus — mas consideram que tais desembolsos são “o preço de fazer negócios”. Nenhum líderes do setor que quebrou a economia mundial passou uma só noite na prisão, nem teve que pagar, pessoalmente, uma única multa.
Ainda não superamos os efeitos do terremoto financeiro vivido em 2007-2008, mas os políticos e os próprios banqueiros já estão preparando o cenário para a próxima crise. Estudos matemáticos mostraram a densa teia interconectada dos atores financeiros mundiais, na qual a falha de um deles poderia desencadear o colapso de todos. Nos colocaram no fio da navalha, e temos boas razões para ser pessimistas:
– Os governos e as instituições financeiras internacionais não demonstraram nenhuma intenção de regular os bancos, o que nos expõe ao perigo de ter que suportar uma repetição da jogada. Os bancos e os banqueiros não só são grandes demais para falir — ou para ser presos –, mas também para ser desafiados. Por isso, permitem-se fazer o que lhes dê vontade.
– A adoção de dispositivos de segurança no setor financeiro foi sistematicamente sabotada. Não se produziu a separação necessária entre os bancos comerciais e os bancos de investimento (o que impediria que o dinheiro dos depositantes continuasse a ser usado para especular). Durante mais de sessenta anos, a lei norte-americana Glass-Steagull, aprovada durante o New Deal do governo Roosevelt separou-os, protegendo o sistema financeiro norte-americano. Foi revogada, em 1998, sob o mandato do presidente Bill Clinton — com um grande empurrão de seu secretário do Tesouro, Robert Rubin, ex-executivo do banco Goldman Sachs. Foi necessário menos de uma década para produzir-se a quebra devastadora do Lehman Brother e do mercado. Os políticos não atendem a razões, mas sim ao lobby bancário. Por isso, as exigências de reservas (capital) dos bancos continuam baixos demais. Não se aprovou nenhum novo imposto sobre as transações financeiras. Um imposto debatido por onze paízes da União Europeia ainda está em debate.
– Os volumes diários de transações com derivativos e moedas cresceram 25% ou 30% em comparação com os níveis de antes da crise, e somam trilhões a cada dia. As operações anuais totais com derivados somam em torno de cem vezes o Produto Mundial Bruto. O surgimento de transações automatizadas, impulsionadas por algorítimos, move este crescimento, mas até as máquinas e os nerdsmatemáticos podem cometer erros perigosos.
– Grandes quantidades de empréstimos convertidos em bônus de risco poderiam inundar uma vez mais as carteiras de investidores instutucionais. Desta vez não estariam associados às hipotecassubprime, mas a lotes de outras categorias de dívida, como os empréstimos a estudantes ou consumidores.
– Em 2008, a especulação desenfreada nos mercados de matérias primas causou uma dramática alta dos preços dos alimentos, acrescentando 150 milhões de pessoas às listas dos famintos mundiais. Estas cifras não se repetirão nem nesse ano, nem no próximo: os preços dos grãos despencaram e 150 trilhões de dólares procedentes de Wall Street foram retirados desses mercados nos últimos dois anos. Contudo, outras leis protetoras do New Deal também foram revogadas e os mercados poderão mais uma vez ser alvo de apostas sem limites, quando as mudanças climáticas e a falta de alimento fizerem com que sejam rentáveis.
– Os paraísos fiscais triunfaram. Eles não beneficiam apenas o 1% mais rico. Especializaram-se também na evasão fiscal corporativa. As maiores corporações deixaram de pagar os impostos que lhes correspondem. Por exemplo, as empresas francesas sonegam anualmente de 60 a 80 bilhões de dólares. As corporações beneficiam-se de serviços públicos como a polícia e os bombeiros, a energia, a água, o saneamento, o transporte, a saúde, a educação e a formação para seu pessoal, e o Estado de direito, mas não contribuem para mantê-los, de maneira que estes se deterioram. Quem perde são os cidadãos e cidadãs, e a rede de infraestrutura. O escândalo Luxleaks – que desmascarou a evasão fiscal de mais de 300 empresas — demonstra que os Estados-membros da União Europeia fazem intencionalmente vistas grossas, com a cumplicidade das quatro grandes “agências de risco”, quando as empresas transferem contilmente seus lucros para Luxemburgo, onde quase não pagam impostos. Os paraísos fiscais das Ilhas Britânicas também contribuem para essa prática. Estima-se que 25% ou mais do faturamento dos maiores bancos da União Europeia está em “centros off-shore”; ninguém conhece ao certo esta cifra.
– Pesquisas realizadas pelo Banco Central Europeu sobre os 130 maiores bancos da União Europeia descobriram que estes não apoiam a economia real — onde as pessoas vivem, trabalham, produzem e consomem. As pequenas e médias empresas da União Europeia oferecem 80% ou 90% de todo o emprego disponível, mas continuam tendo muitos problemas para receber empréstimos. Desde 2008, os bancos endureceram suas condições de concessão de crédito. O Finance Watch – um think tank progressista de Bruxelas — afirma que só 28% de toda atividade bancária vai para a economia real; o que sobra infla o setor dos produtos financeiros que multiplicam o dinheiro sem passar por fases tão “incômodas” como a produção e a distribuição…
– É verdade que os Estados Unidos têm vivido crescimento econômico e criação de emprego, porém mais de 90% do valor de tal crescimento tem sido abocanhado pelo 1% mais rico. O desemprego europeu continua crescendo, e em vez de crescer, a União Europeia escorrega rumo à deflação.
– Já em 2011, os lucros dos bancos norte-americanos haviam chegado aos níveis recorde de antes da crise. E ainda antes, em 2009, os nove maiores bancos desse país distribuíam gratificações de um milhão de dólares ou mais, a mais de cinco mil banqueiros e operadores financeiros, usando para isso o dinheiro público dos empréstimo que receberam dos Estados. Ao menos 5 bilhões de dólares provenientes do dinheiro dos contribuintes norte-americanos foram para indivíduos da indústria financeira. Seus colegas britânicos receberam 20 bilhões de dólares por meio de gratificações em 2010 e 2011, e os banqueiros franceses receberam outro tanto.
– As robustas gratificações contribuem para o grande salto adiante da desigualdade. São conhecidas as comparações chocantes entre a parte da riqueza mundial que é apropriada pelos multimilionários e o que sobra para o resto do mundo. Estão sintetizadas num relatório da Oxfan ou nos informes sobre a riqueza mundial que falam sobre as alturas douradas, onde moram não o um por cento — pobres perdedores! — mas um em cada dez milhões.
– A lista de bilionários da Forbes, de 2014, enumera os 1542 terráqueos que ultrapassaram a marca, com um volume total de 6,5 bilhões de dólares. A desigualdade não é obscena em termos monetários. Em Desigualdade: uma análise da (in)felicidade coletiva,Richard Wilkinson e Kate Pickett demonstraram de maneira indiscutível que a desigualdade tem correlação necessária com todos os fenômenos sociais desagradáveis e custosos, de doenças à violência, à obesidade e as populações carcerárias. Mas as finanças estão organizadas agora de tal maneira que ao chegar ao status de bilionário, é muito difícil perdê-lo.

Recompensas, recompensas
Os banqueiros aprenderam também como organizar as instituições internacionais para que estas os recompensem tanto nos momentos bons como nos maus, por investimentos financeiros geniais ou desastrosos. Desta maneira, governos da zona do euro como Alemanha e França trazem dinheiro ao Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira; este dá dinheiro ao governo grego (irlandês, espanhol…) que, por sua vez, o entrega aos bancos gregos (irlandeses, espanhois…) com a intenção de que estes devolvam os empréstimos recebidos dos bancos franceses e alemães.
A maioria das pessoas não se dá conta que os enormes “empréstimos” concedidos à Grécia pela “Troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) entre 2010 e 2012 não se destinaram a “ajudar os gregos”, mas sim a canalizar dinheiro aos bancos que haviam comprado títulos gregos. E por que compraram? É uma boa pergunta: porque estes valiam em euros, mas pagavam juros mais altos, por exemplo, que os títulos alemães, igualmente denominados em euros.
O trabalho da Troika é, portanto, garantir que se devolva o dinheiro aos bancos, desde os planos de “regate” sejam associados a condições drásticas da austeridade. Os bancos podem perder algo em seus investimentos nos países do Sul da Europa ou da periferia — mas não no nível em que isso ocorreria sem a porta giratória da Troika.
Os povos — que não criaram a crise — devem, contudo, sofrer com ela. Até certo ponto, isso pode ser medido em fome crescente, fechamento de hospitais e escolas, violência e migração dos jovens. Mas as verdadeiras consequências para incontáveis seres humanos que não têm responsabilidade pelos problemas econõmicos não podem ser quantificadas. Sustento: minha afirmação de que os bancos aprenderam que podem fazer o que quiserem não era um recurso retórico…
E chegamos ao ponto em que o leitor diz: “sim, mas o que podemos fazer?” Em geral, as respostas são conhecidas, e muitas delas consistem em fazer o contrário do que se resumiu acima. Separar os bancos comerciais dos de investimento, cobrar imposto das instituições financeiras, proscrever os paraísos fiscais, obrigar Luxemburgo a desmantelar sua proteção às empresas sonegadoras, negar-se a assinar os novos acordos de “livre” comércio.
Mudar as regras do Banco Central Europeu (BCE), que não empresta aos países, mas apenas aos bancos privados. Estes pedem créditos ao BCE a menos de 1% de juros ao ano, para em seguida emprestar os mesmos recursos aos países com os maiores juros possíveis — às vezes mais de 6% — o que constitui outro presente à banca. O BCE deveria emprestar diretamente aos países, cobrando os mesmos 1% ou menos, e os governos europeus deveriam poder emitir títulos em euros.
As políticas de “austeridade” devem ser descartadas, porque não funcionam, nem humana nem economicamente. Os europeus do norte entendem isso: a palavra em alemão para dívida é Schuld, que significa também pecado ou culpa; mas a crise persistente não tem a ver com moralidade. Necessitamos de menos golpes no peito (o dos outros) e mais economia inteligente. Nas palavras de um economista alemão que escrevia no Financial Times: “Existem dois tipos de economistas alemães: os que não leram Keynes e os que não entenderam.”
É preciso lembrar primeiro que a dívida os países não se parece, em absoluto, com a de uma família. Na verdade, ao longo da história, a maior parte da dívida soberana era perdoada; em todo caso, como disse o economista e acadêmico norte-americano Paul Krugman: “é preciso vigiar os fluxos, não as ações.”
Enquanto os países continuarem obrigados ao pagamento de juros elevados, terão dúvidas eternas. As nações não desaparecem. A Grécia, por exemplo, tem um superávit orçamentário, quando levam-se em conta apenas a arrecadação de tributos e os investimentos e despesas não-financeiras. Deveria estar qualificada para pagar juros de 1% do ano. O país deveria também reduzir drasticamente seu orçamento militar, tributar a igreja — o maior proprietário de terrenos e imóveis — e como disse o partido governante Syriza, “perseguir a oligarquia”.
Se a próxima crise for de fato deflagrada, será imensa e mortalmente perigosa para as pessoas comuns, que poderiam perder sua poupança, seguros, aposentadorias e mais. Não estou propondo que se criem refúgios antiaéreos ao estilo de 1950, construam-se depósitos de alimentos e se autorize a posse de uma arma por casa — mas não faria mal começar a desenvolver sistemas sociais mais resistentes e uma autoconfiança maior. As pessoas trabalham bem quando cooperam entre si, e o fazem instintivamente ou por necessidade quando têm que enfrentar um colapso econômico, como fizeram os argentinos há quinze anos ou fazem os gregos hoje. Organizam cantinas populares, hortas comunitárias, clínicas de saúde solidárias, creches, moedas sociais, soluções habitacionais e assim por diante.
Sobretudo, precisamos enfrentar a mortífera ideologia neoliberal que contaminou o pensamento e a ação, enquanto os bancos podem fazer o que lhes der na telha.
Fonte - Outras Palavras  10/09/2015
(http://outraspalavras.net/author/redacaooutraspalavras/)

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Que os super-ricos paguem a conta

Política

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Os 13,5 milhões que ganham até 5 salários mínimos. Se deixassem de pagar IR, a perda seria de mais ou menos 1% do total arrecadado pela receita. Só. E gastariam esse dinheiro, provavelmente, em alimento, roupa, escola, algum “luxo popular”.

Por Reginaldo Moraes
No site Brasil Debate
Faz alguns anos, a Receita Federal divulga os grandes números das declarações de renda. Neste ano, divulgou dados que nunca divulgara. E com isso ficamos sabendo, número por número, coisas estarrecedoras que só podíamos deduzir, observando o comportamento de nossos ricaços. Veja alguns destaques:

Quantas pessoas físicas fazem declaração?

Quase 27 milhões.

Qual é o “andar de baixo”?

Os 13,5 milhões que ganham até 5 salários mínimos. Se deixassem de pagar IR, a perda seria de mais ou menos 1% do total arrecadado pela receita. Só. E gastariam esse dinheiro, provavelmente, em alimento, roupa, escola, algum “luxo popular”.

Quais são os andares de cima?

São três andares:

1. Os que ganham entre 20 e 40 salários mínimos. Correspondem a mais ou menos 1% da população economicamente ativa. Podem ter algum luxo, pelos padrões brasileiros. Mas pagam bastante imposto.

2. Tem um andar mais alto. Os que ganham entre 40 e 160 SM representam mais ou menos 0,5% da população ativa. Já sobra algum para comprar deputados (ou juízes).

3. E tem um andar “de cobertura”, o andar da diretoria, da chefia. A nata. A faixa dos que estão acima dos 160 SM por mês. São 71.440 pessoas, que absorveram R$ 298 bilhões em 2013, o que correspondia a 14% da renda total das declarações. A renda anual média individual desse grupo foi de mais de R$ 4 milhões. Eles representam apenas 0,05% da população economicamente ativa e 0,3% dos declarantes do imposto de renda. Esse estrato possui um patrimônio de R$ 1,2 trilhão, 22,7% de toda a riqueza declarada por todos os contribuintes em bens e ativos financeiros. Pode estar certo de que são estes que decidem quem deve ter campanha financiada. Podem comprar candidatos e, também, claro, sentenças de juízes.

Quem sustenta o circo? Quem mais paga IR?

A faixa que mais paga é a do declarante com renda entre 20 e 40 salários mínimos, que se pode chamar de classe média ou classe média alta.

Quem escapa do leão?

O topo da pirâmide, o grupo que tem renda mensal superior a 160 salários mínimos (R$ 126 mil). As classes média e média alta pagam mais IR do que os verdadeiramente ricos.

Em 2013, desses 72 mil super-ricos brasileiros, 52 mil receberam lucros e dividendos – rendimentos isentos. Dois terços do que eles ganham sequer é taxado. São vacinados contra imposto. Tudo na lei, acredite. A maior parte do rendimento desses ricos é classificada como não tributado ou com tributação exclusiva, isto é tributado apenas com o percentual da fonte, como os rendimentos de aplicações financeiras.

Em 2013, do total de rendimentos desses ricaços, apenas 35% foram tributados pelo Imposto de renda pessoa física. Na faixa dos que recebem de 3 a 5 salários, por exemplo, mais de 90% da renda foi alvo de pagamento de imposto. Em resumo: a lei decidiu que salário do trabalhador paga imposto, lucro do bilionário não paga.

O que isso exige da ação política?

Quando a classe trabalhadora e suas organizações se enfraquecem, burocratizam ou recuam, deixam a ideologia e os sentimentos da classe média sob o comando da classe capitalista. Mais ainda, da sua ala mais reacionária. Pior ainda: a direita conquista até mesmo o coração dos trabalhadores que são tentados a se imaginar como “classe média”.

Na história do século 20, o resultado disso foi a experiência do fascismo, em suas múltiplas formas e aparições.

Nos últimos anos, os bilionários brasileiros e seus cães de guarda na mídia perceberam que podiam conquistar o ressentimento da classe média para jogá-la contra os pobres, os nordestinos, os negros, tudo, enfim, que se aproximasse dos grupos sociais que fossem alvo de políticas compensatórias, de redistribuição. E contra governos e partidos que tomassem essa causa.

E a esquerda, de certo modo, assistiu a essa conquista ideológica sem ter resposta. Uma resposta política: a criação de movimentos reformadores que fizessem o movimento inverso, isto é, colocassem essa classe média contra os altos andares da riqueza. Nós não soubemos fazer isso. Talvez pior: acho que nem tentamos fazer isso.

Aparece agora essa urgente necessidade e a providência divina, travestida de Receita Federal, nos traz uma nova chance.

Já sabíamos que os brasileiros mais pobres pagam mais impostos, diretos e indiretos, do que os brasileiros mais ricos. Sabemos que todos pagamos imposto sobre propriedade territorial urbana – o famoso IPTU. E conhecemos o estardalhaço que surge quando se fala em taxar mais os imóveis em bairros mais ricos.

Mas sabemos coisa pior: grandes proprietários de imóveis rurais não pagam quase nada. Sobre isso não tem estardalhaço. É assim: se você, membro da “classe média empreendedora” passeante da Avenida Paulista, tem uma loja, oficina ou restaurante de self service, paga um belo IPTU. Se você fosse um grande proprietário rural (como os bancos e as empresas de comunicação), seu mar de terras com uma dúzia de vacas não pagaria ITR. Ah, sim, teria crédito barato.

Tudo isso já é mais ou menos sabido e merece reforma. Mas ainda mais chocante é o que se chama de “imposto progressivo sobre a renda”, que agora sabemos que é ainda menos progressivo do que imaginávamos.

Faz algum tempo escrevi um artigo dizendo que a Receita Federal deveria concentrar sua fiscalização na última faixa dos declarantes pessoa física, responsável por 90% do IR. Se o resto simplesmente deixar de pagar não vai fazer tanta diferença. Além disso, a faixa mais alta é aquela que menos recolhe na fonte e a que mais tem “rendimentos não tributáveis” e de “tributação exclusiva”, isto é, rendimentos derivados de investimentos, não de pagamento do trabalho.

Fui injusto ou impreciso, moderado demais. A Receita e os legisladores podem economizar mais tempo do que eu supunha. Basta que prestem atenção em 100 mil contribuintes, do total de 26 milhões. Essa é a mina. Se conseguir que eles paguem o que devem e se conseguir que eles percam as isenções escandalosas que têm, posso apostar que teremos mais dinheiro do que os ajustes desastrados e recessivos do senhor ministro da Fazenda.

O que isso significa para o que chamamos de esquerda – partidos, sindicatos, movimentos sociais? Sugiro pensar em um movimento unificado com uma bandeira simples: que esses 100 mil ricaços paguem mais impostos e que deem sua “contribuição solidária” para reduzir a carga fiscal de quem trabalha. É preciso traduzir essa ideia numa palavra de ordem clara, curta e precisa, mobilizadora. E traduzi-la numa proposta simples e clara de reforma, cobrada do governo e do Congresso. A ideia é simples: isenção para os pobres, redução para a classe média, mais impostos para os ricaços.

Talvez essa seja uma boa ideia para fazer com que a “classe média” que atira nos pobres passe a pensar melhor em quem deve ser o alvo da ira santa. Afinal, milhares e milhares de pagadores de impostos foram para as ruas, raivosos, em agosto, enquanto os nababos que de fato os comandam ficavam em seus retiros bebendo champanhe subsidiada.

Os passeadores da Avenida Paulista são figurantes da peça, eles não sabem das coisas – os roteiristas e produtores nem deram as caras.

Em que rumo os partidos e movimentos populares devem exigir mudanças?

1. É justo e perfeitamente possível isentar todo aquele que ganha até 10 salários mínimos. Não abala a arrecadação se cobrar um pouco mais dos de cima.

2. É necessário e legítimo criar faixas mais pesadas para os andares mais altos. Mas não é suficiente.

3. É preciso mudar as regras que permitem isenção e desconto para lucros e dividendos.

4. É preciso e é legítimo mudar as regras para os pagamentos disfarçados, não tributáveis, em “benefícios indiretos”. A regra tem sido um meio de burlar a taxação.

5. É preciso e é legítimo mudar as regras de imposto sobre a propriedade territorial. A classe média estrila com o IPTU. Mas deveria é exigir cobrança do ITR.

6. É preciso ter um imposto sobre heranças. Com isenção para pequenos valores e tabela progressiva.
Fonte - Blog do Miro (Altamiro Borges)  09/09/2015