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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Direita tenta usar 'instrumento' para retornar ao poder, diz Boaventura

Política

Sociólogo diz que autonomia brasileira incomoda os EUA. 'Tive o cuidado de ver o programa da Marina e uma das coisas que diz é, no fundo, voltar ao alinhamento do Brasil com os Estados Unidos'

Eduardo Maretti, da RBA 
NECO VARELLA/EFE
São Paulo – A candidata do PSB à presidência da República em 2014, Marina Silva, é um “instrumento” da direita brasileira, que entendeu ser muito difícil voltar ao poder diretamente por meio de uma disputa ideológica entre Dilma Rousseff e Aécio Neves. A opinião é do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. “A direita descobriu, muito rapidamente, que Aécio Neves não é de forma nenhuma uma alternativa, porque faria uma disputa ideológica entre esquerda e direita.”
Para ele, as forças que “sempre” governaram o Brasil “viram que era mais fácil chegar ao poder sem fazer essa disputa ideológica, utilizando uma terceira pessoa, que combina em sua ambiguidade alguns elementos de esquerda, não pelo que diz hoje, mas pelo que foi."
Boaventura é professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde também dirige o Centro de Estudos Sociais, e da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison. Ele afirma que as propostas neoliberais e de política externa da candidata que herdou a cabeça de chapa do PSB com a morte de Eduardo Campos estão claras em falas e no programa de governo. “Para nós, que viemos da Europa, basta quando vem aquela frase mágica da independência do Banco Central... É a grande marca do modelo neoliberal”, analisa.
Segundo o sociólogo, o programa de política externa de Marina é um retorno ao tradicional alinhamento do Brasil com os Estados Unidos, ou, “fundamentalmente”, voltar ao tempo de Fernando Henrique Cardoso. A lógica da autonomia do governo brasileiro em relação aos Estados Unidos, iniciada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os Brics e a criação do banco de desenvolvimento do bloco econômico que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul incomodam os norte-americanos, que tentam, com a Aliança do Pacífico, "neutralizar os Brics."
Boaventura vê as dificuldades políticas e eleitorais dos governos petistas como "frutos de seu êxito". O professor observa, por exemplo, que a juventude constatou que, com a Copa, havia muito dinheiro para algumas coisas e não para outras, o que teria "dramatizado" o erro na distribuição do dinheiro público e desconectado essa parcela da sociedade do sistema político. "De uma vez só, aumentaram 5 mil postos de trabalho para professores nas universidades federais, o que é absolutamente notável, mas isso não foi acompanhado de um investimento na infraestrutura, nos salários dos professores e nos equipamentos das universidades", constata. "Portanto, acho que o governo está a ser vítima de seu êxito, não do fracasso. Só que teve tanto êxito, que criou tanta expectativa, que agora é um pouco difícil não frustrar a expectativa. E a expectativa frustrada é o que traz as pessoas para a rua.
" Leia a entrevista concedida à RBA.
"O presidente Lula alterou as condições de hegemonia no Brasil de tal modo que a direita brasileira, que sempre governou o país, não pode voltar ao poder diretamente. Tem que usar um desvio, e o desvio necessário é buscar alguém que tem um perfil de esquerda para depois instrumentalizá-la. Marina é este instrumento"

Como vê a conjuntura político-eleitoral no Brasil?
Os processos eleitorais, muitas vezes, podem ser orientados por acontecimentos às vezes completamente surpreendentes, como aconteceu com o trágico acidente do Eduardo Campos. E a direita descobriu, muito rapidamente, que Aécio Neves não é, de forma nenhuma, alternativa, porque faria uma disputa ideológica entre esquerda e direita. Eles viram que era mais fácil chegar ao poder sem fazer essa disputa ideológica, utilizando uma terceira pessoa, que combina, em sua ambiguidade, alguns elementos de esquerda, não pelo que diz hoje, mas pelo que foi, pela sua origem.
Penso que essa fulguração de Marina atingiu seu máximo. As pessoas começam a ver os riscos por trás de uma política nova que, afinal, é bastante velha; a ver a fragilidade da Marina com as oscilações perante aqueles que controlam sua campanha e que lhe dão apoio. Começam a ver que o que foi feito neste país foi um êxito extraordinário – não foi completado, tem erros a superar. Continua a haver uma esperança de que, no segundo mandato, a presidente Dilma vá fazer o que se espera de um governo do PT. Ao passo que da Marina Silva, francamente, não há nada a esperar. É só saber ler seu programa. As perspectivas são as políticas neoliberais. Eles (o sistema financeiro) têm e tiveram muitos lucros, mas não os lucros extraordinários que Marina lhes permite, e é por isso que se põem ao lado de Marina.

O senhor escreveu que, com a eleição da Dilma, o Brasil “quis acelerar o passo para se tornar uma potência global”. Esse caminho e o que se conquistou em 12 anos são ameaçados por uma eventual eleição de Marina ou Aécio Neves?
A eleição da Marina Silva é uma ameaça em muitos outros níveis. Penso que o que mudou substancialmente no Brasil, nos últimos 12 anos, e isso é um trabalho notável do presidente Lula, é que ele alterou as condições de hegemonia no Brasil de tal modo que a direita brasileira, que sempre governou este país, não pode voltar ao poder diretamente. Tem que usar um desvio e o desvio necessário é buscar alguém que tem um perfil de esquerda para depois instrumentalizá-la. Marina Silva é, neste momento, esse instrumento. É, portanto, um desvio a que a direita é forçada para conquistar o poder. E a Marina Silva tem dito muito claramente que é isso que vai acontecer.
Para nós, que viemos da Europa, e sabemos muito bem, basta quando vem aquela frase mágica da independência do Banco Central. É a grande marca do modelo neoliberal. Tive o cuidado de ver o programa da Marina Silva e, obviamente, uma das coisas que diz o programa de política externa é, no fundo, voltar ao tradicional alinhamento do Brasil com os Estados Unidos. Relações bilaterais. Fundamentalmente, voltar ao tempo do Fernando Henrique Cardoso.

O fato de o Brasil estar aprofundando as relações com os Brics está incomodando os Estados Unidos a que ponto? Poderia haver interferência norte-americana no processo eleitoral do Brasil, por exemplo?
Não tenho dúvidas. Estou convencido de que, neste momento, os Estados Unidos, confrontados com seu declínio, procuram de várias formas tentar segurá-lo o mais possível. Por um lado, através do tratado de livre comércio que estão a tentar com a Europa e, por outro, voltar à América Latina, não pelas maneiras antigas, que eram as ditaduras e as intervenções militares. Hoje, são outros tipos de intervenções. É um apoio técnico para os acontecimentos extremos, a gestão de protestos sociais graves, distúrbios, perturbações na sociedade, ajudas locais ao desenvolvimento. Os países estão a ficar infestados de pequenas ONGs financiadas pelos Estados Unidos que têm esse objetivo.
Ora bem, os Estados Unidos sabem que o Brasil é uma força ultimamente autônoma. Há uma lógica da autonomia em relação aos Estados Unidos e que não permite a liberalização que eles estão a querer.
Os Estados Unidos estão tentando, com a Aliança do Pacífico, neutralizar os Brics. Só que não têm, de maneira nenhuma, o poder para fazer, porque basta ver quem está na Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru) e quem está nos Brics. Portanto, o novo banco do desenvolvimento (dos Brics) é uma alternativa ao Banco Mundial. Como os Estados Unidos dominam o mundo fundamentalmente com o sistema financeiro, porque já não têm capacidade industrial para isso, tudo que seja ameaça ao sistema financeiro do dólar é, para eles, algo muito grave.

O senhor concorda que o governo brasileiro de Lula e Dilma incentivou muito o consumo, mas pouco a cidadania, e que se precisa de menos geladeira e carro e de mais educação e cultura?
Tenho escrito isso. A integração que se fez aqui foi pelo consumo, e não pela cidadania. Portanto, isso teria implicado outras coisas. Por exemplo, que a massificação dos serviços teria que ser compensada com o aumento da qualidade dos serviços para que eles não degradassem.
A juventude viu claramente visto, como diria Camões, que com a Copa havia muito dinheiro para algumas coisas e não para outras, como as universidades, o transporte público etc. Isso dramatizou o erro na distribuição do dinheiro público, naturalmente desconectou a juventude do sistema político.
O governo contra-argumenta dizendo que os investimentos em infraestrutura não tiraram dinheiro da educação, por exemplo, e que investiu em universidades públicas federais o que nunca tinha sido investido no país.
É grande a revolução e não é uma revolução apenas quantitativa que colocou mais jovens nas universidades. É toda a luta pela diversidade cultural, contra o racismo e a discriminação racial contra negros e indígenas no Brasil, todo o sistema de cotas... E a grande revolução democrática que ocorreu nos últimos anos. De uma vez só, aumentaram 5 mil postos de trabalho para professores nas universidades federais, o que é absolutamente notável, mas isso não foi acompanhado de um investimento na infraestrutura, nos salários dos professores e nos equipamentos das universidades. Quando se calcula que vão entrar 50 milhões de pessoas no sistema público de saúde, naturalmente vão querer qualidade. Portanto, acho que o governo está a ser vítima de seu êxito, não do fracasso. Este governo não fracassou de maneira nenhuma. Só que teve tanto êxito que criou tanta expectativa que agora é um pouco difícil não frustrar a expectativa. E a expectativa frustrada é o que traz as pessoas para a rua.
"É possível que iremos assistir a outro tipo de manifestações aqui, na Espanha, Portugal, Itália, já que este é um tempo de manifestações extrainstitucionais que vão dar origem a um certo período de turbulência política nas democracias"

A Constituição brasileira garante o Estado laico. Se Marina Silva se eleger ela ameaçaria a laicidade, por ser evangélica e religiosa?
Seria um retrocesso total. Não é um problema do Estado laico. O Estado inglês é religioso, por exemplo, mas ninguém sabe nem se interessa, precisamente porque as políticas são de total respeito à diversidade religiosa. O que acontece é que os evangélicos, sobretudo, são uma vertente de uma teologia política conservadora e que, portanto, quer interferir na vida pública e a primeira coisa que fazem é nos estilos de vida, é nas orientações sexuais, no aborto e depois por aí afora, nas escolas, na educação religiosa etc.
Veja o espetáculo triste da Marina: por um lado admitir os direitos dos gays e, em 24 horas, ser obrigada a recuar. Isso mostra que ela é realmente um instrumento das forças conservadoras. Não é uma pessoa sustentada por um partido, ao contrário da Dilma. Ela é muito frágil perante aqueles que a apoiam, sejam os blocos religiosos, sejam os blocos políticos do partido socialista ou dos que a acompanham. Portanto, teríamos, com certeza, um retrocesso em um país que, quando teve presença religiosa no passado, era luminosa e progressista, a da Teologia da Libertação. O que está aqui agora não é uma teologia da libertação dos pobres, da luta pela inclusão social, é, ao contrário, aquela que vai punir os gays, as mulheres, o aborto.

O que mudou no Brasil desde as manifestações de junho de 2013?
Não mudou significativamente nada. Claro, o tipo de manifestações que nós temos hoje, a observar não só aqui, mas no mundo em geral, que é uma crise das instituições, que temos que analisar mais globalmente, têm um caráter quase sazonal. São fulgurações, aparecem em um período, ficam latentes em outro e, depois, voltam. Por exemplo, aqui tentaram voltar, de alguma maneira, na altura da Copa, mas não havia condições, no momento, para que elas pudessem ter êxito. Em São Paulo, tem havido uma iniciativa por parte do prefeito para começar a dar uma resposta a algumas das demandas que tenham saído da rua e espera-se que tenha algum resultado.
Fora isso, as questões que estavam em causa eram mais profundas e têm a ver com exclusão social, com uma certa desaceleração das políticas sociais que foram implementadas nos períodos anteriores e que têm a ver com a reforma do sistema político, uma vez que tornou-se clara a desconexão entre o sistema político e os cidadãos. É possível que iremos assistir a outro tipo de manifestações aqui, na Espanha, Portugal, Itália, já que este é um tempo de manifestações extrainstitucionais que vão dar origem a um certo período de turbulência política nas democracias.

Fernando Haddad tem sido bem-sucedido nas respostas?
É claro que governar uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes, pouco menos que toda a população de Portugal, não deve ser fácil, mas penso que, no meio de limitações financeiras que, segundo me dizem, são sérias, ele está trabalhando no sentido de valorizar o sistema público de transporte, por exemplo, e tornar a cidade mais acolhedora e inclusiva. É evidente que isso não se faz de um dia para o outro. É evidente que, às vezes, leva a medidas impopulares que custam a reeleição dos políticos, mas esse é o risco que eu penso que Fernando Haddad está a querer assumir.

Como o senhor diferenciaria as manifestações ocorridas no Brasil das que aconteceram na Europa, como na Espanha e Portugal, a partir de 2012, considerando que a crise econômica europeia é mais grave do que a vivida aqui?
Tem pontos em comum e pontos de diferença. No caso do Brasil, estamos vindo de um ciclo ascendente de inclusão social e que, de alguma maneira, parece ter sido bloqueado, o que culminou nas manifestações. Ao passo que, na Europa, tivemos realmente um ciclo de exclusão social bastante contundente e rápido, motivado pela crise econômica e financeira.
"A democracia direta não é utopia, ela é realizável e está se realizando. No fundo, são todos os mecanismos em que os processos de decisão não contemplam a ideia de delegação de poder"
O que elas têm em comum é que qualquer um desses movimentos faz dois apelos que são muito importantes. Um é o apelo a uma democracia real, a ideia de que a democracia que nós temos não serve, não é suficiente para corresponder às nossas aspirações. A distância entre o ideal democrático e a prática democrática é muito grande no nosso tempo.
Em segundo lugar, em ambos os casos, há uma demanda de políticas sociais. No caso da Europa, são as políticas que existiam no âmbito da educação e da saúde públicas e que vêm sendo privatizadas. No caso do Brasil, é uma nova classe média que teve, pela primeira vez, a oportunidade de desfrutar de serviços públicos, educação, acesso à universidade, saúde etc. e que viu que, efetivamente, essa ampliação dos serviços não foi paralela com a manutenção da qualidade.

A democracia direta é realizável ou é uma utopia?
Não, ela não é uma utopia, ela é realizável e está se realizando. No fundo, democracia direta são todos os mecanismos em que os processos de decisão não contemplam a ideia de delegação de poder, portanto, as pessoas decidem coletivamente, em assembleia, os temas que lhe são mais caros. Obviamente, isso tem acontecido, está acontecendo naquilo que hoje se vai chamando zonas libertadas do capitalismo, que são grupos sociais que, em cidades europeias, no México, em Quito, em La Paz, têm moedas locais, e procuram, de alguma maneira, tornar-se independentes do mercado. Eu chamo isso de uma política pré-figurativa, isto é, que prefigura o futuro. Só que em uma escala muito pequena.
A democracia participativa começou no Brasil, aliás, de maneira muito luminosa no final dos anos 1980 com os orçamentos participativos. E seguiram-se depois, no período Lula, sobretudo no primeiro período, com uma série de mecanismos, como conselhos nacionais, conferências nacionais, para além dos orçamentos participativos.

As manifestações no Brasil tiveram dois momentos: o inicial, espontâneo, e um segundo, quando houve uma instrumentalização por forças talvez obscuras. Os movimentos progressistas e até o governo deixaram de aproveitar os aspectos positivos dos protestos?
Não é possível fazer um controle muito fácil de quem está efetivamente conduzindo. Porque, ao contrário dos movimentos sociais, que se identificam, e conhecemos suas bandeiras, líderes e ativistas, não é isso que está nas ruas. É, como digo, uma presença coletiva com nenhum obstáculo de entrada, que pode ter muita mistura. Pode ter provocadores, pode ter provocadores da polícia, como aconteceu. Na Europa, pode ter infiltrações da extrema direita, membros mandados de partidos de oposição. É claro que não é possível limitar isso. Também não penso que a gente possa demonizar as manifestações dizendo que são todas de provocadores, gente de direita etc., não é isso.
Acho que uma resposta boa foi dada logo no início pela presidenta Dilma, que, infelizmente, voltou atrás. Ou seja, uma Assembleia Constituinte. Se realmente é preciso reformar o sistema político, então vamos fazer uma Assembleia Constituinte livre e soberana e, a partir daí, as águas vão se separar e os problemas vão se resolver.
Mas Dilma depende do Congresso na proposta de uma Assembleia Constituinte e o Congresso não encampou, pelo contrário...
Sem dúvida, ela depende do Congresso. Esse sistema permite que o que há de mais progressista na sociedade brasileira tenha que se juntar ao que há de mais reacionário para poder garantir a governabilidade. É uma especificidade brasileira, não encontramos em muitos outros países. Normalmente, as coalizões são, obviamente com matizes, mas dentro do mesmo campo político, direita ou esquerda. Aqui não.
Fonte - RBA ( Rede Brasil Atual)  12/09/2014

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A direita está certa ao imitar os EUA

Política

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena
Os reacionários brasileiros adoram os Estados Unidos. Costumam passar, inclusive, as férias em Miami – o que corrobora seu profundo mau gosto, já que o país é imenso e tem dezenas de outras cidades mais interessantes. Para a direita tupiniquim, os EUA são a Terra Prometida, onde jorra leite e mel. A economia deles é fantástica, a educação, a saúde, o cinema… Eles admiram até a junkie food, aquela comida péssima que fez os índices de obesidade irem à estratosfera por lá. Enfim, se dependesse dos reaças, o Brasil imitaria o Tio Sam em tudo. Tudo mesmo? Será?
Claro que não! Existem conquistas dos norte-americanos que a direita brasileira faz tudo para esconder de você. Quando se trata destes assuntos, eles preferem mirar o Irã, o Afeganistão ou qualquer nação islâmica radical onde as mulheres andam de burca e onde tudo é proibido em nome de Deus. A Terra Prometida dos reaças, na verdade, é um mix de Estados Unidos por fora e país fundamentalista por dentro. Uma miragem para enganar trouxa.
Imagine se a reaçada brasileira, que adora macaquear os EUA, iria querer que nós imitássemos, por exemplo, a lei de aborto norte-americana. A obscura direita nativa, que em toda eleição tenta criar celeuma em torno do aborto, prefere ocultar do povo que, na terra de George Bush e Barack Obama, pode-se interromper a gravidez legalmente em absolutamente TODOS os 50 Estados desde 1973. A interrupção pode ser feita até a 22ª semana de gestação e, em 17 Estados, o atendimento ao aborto é realizado pelo serviço público de saúde. Nos demais, em clínicas particulares.
O aborto, além de ser um direito e uma escolha da mulher, é uma questão de saúde pública. Centenas de mulheres morrem anualmente por causa de abortos mal-sucedidos no Brasil, porque, é claro, eles continuam a ocorrer mesmo proibidos por lei. E o número de abortos com a legalização, ao contrário do que a direita costuma dizer, vem caindo a cada ano nos EUA. Segundo um estudo divulgado em março deste ano, o total de abortos praticados nos EUA caiu para o mesmo patamar de antes da decisão da Suprema Corte, em 1973 (leia aqui).



Outra coisa que nós poderíamos imitar dos gringos: 23 Estados e o Distrito de Colúmbia, onde está situada a capital, Washington, já aprovaram leis descriminalizando o porte de pequenas quantidades de maconha; 22 Estados permitem o seu uso medicinal; e dois deles, Colorado e Washington, legalizaram a maconha inclusive para o uso recreativo.
Um dos argumentos patéticos da direita burra (ups, pleonasmo) contra a legalização da maconha –e contra até se discutir abertamente este tema– é que existem “assuntos mais importantes” para se tratar. Nada mais falso. A proibição da maconha sustenta o tráfico de drogas e aumenta a criminalidade. Quer assunto mais urgente do que reduzir a violência? Só para se ter uma ideia, em Denver, no Colorado, os crimes caíram em 10,6%  apenas cinco meses após a legalização da maconha no Estado.
A legalização da maconha nos EUA também está quebrando o narcotráfico no país vizinho, o México. Outro aspecto importantíssimo: com a legalização, as cadeias dos EUA, as mais populosas do mundo, não vão lotar de meninos negros levados em cana apenas porque fumavam um baseado, como ocorre hoje. O próprio presidente Barack Obama denunciou: “Garotos de classe média não são presos por fumar maconha. Garotos pobres são. E há mais garotos afro-americanos e latinos entre os pobres e com menos condições de se defender para evitar penas duras”. A criminalização da juventude pobre e negra por causa da maconha também ocorre no Brasil. Mas a direita não está nem aí.
Um terceiro item para imitarmos dos norte-americanos: o casamento gay. O governo federal, 21 Estados e o Distrito de Colúmbia reconheceram legalmente a validade dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Em junho deste ano, o presidente Barack Obama estendeu todos os benefícios federais do matrimônio tradicional aos casais gays. Isso inclui as leis de imigração: estrangeiros casados com gays norte-americanos passaram a ter o direito de permanecer no país, como acontece com os heterossexuais.
O mais interessante é que Obama nem sempre pensou assim. Seu pensamento sobre o casamento gay evoluiu a partir de 2012, quando declarou publicamente: “Em certo momento eu concluí que para mim é importante ir em frente e afirmar que casais do mesmo sexo devem ter o direito de se casar legalmente”. Em junho, durante uma recepção para gays e lésbicas na Casa Branca, Obama disse: “Se nós somos de fato criados iguais, então a maneira que amamos outra pessoa também deve ser igual”.
Portanto, faço aqui um reconhecimento: a direita está certa! Vamos copiar os Estados Unidos já. Eles são realmente um modelo para nós.
Fonte - Blog do Miro 07/08/2014

domingo, 27 de janeiro de 2013

O dia em que mataram FHC

Obra de Gil Vicente
A meta fundamental dos estrategistas da oposição, concentrados nas redações do Instituto Millenium, ia além da divisão da base de sustentação do governo Dilma. O objetivo era mais amplo. Através de factoides, que ignoravam os desmentidos das lideranças partidárias, a estratégia consistia em criar um cenário de ficção onde partidos do campo progressista abandonariam o governo em nome de projetos próprios, criando um céu de brigadeiro para o tucanato em 2014.
Não se pode subestimar o desespero contido na empreitada. Desde 2001, quando o neoliberalismo alcançou o máximo de sua hegemonia, dando início à sua decadência, os valores morais, políticos e jurídicos que o sustentaram começaram a fazer água.
Natural que setores políticos associados a ele fossem levados de roldão pela própria dinâmica desencadeada. Quando a festa acabou, o prestígio do consórcio demotucano rastejava, sua base parlamentar estilhaçou e os convidados começaram a se retirar ou a brigar pelos ossos que sobraram. Com FHC paralisado, a equipe econômica e seus consultores em pânico, encerrava-se a aventura da direita que, em nome de um projeto sócio-liberal, promoveu a mais ampla liquidação do patrimônio público de que se tem notícia na história do país.
A partir de 2003, o governo petista conseguiu dar consequência prática à formação da base social de um projeto democrático e popular. Setores médios e pequenos do empresariado, embora refratários inicialmente, se agregaram em torno da nova proposta de poder. Além do amplo apoio da maioria da classe média - que não pode ser confundida com suas frações ressentidas e raivosas - a gestão de centro-esquerda, por suas políticas inclusivas, conseguiu se enraizar nos setores assalariados de baixa renda.
E o que sobrou dos parlamentares, professores e analistas que viram nos anos FHC o anúncio da modernização das relações entre o Estado e o capital, com o fim do "Estado cartorialista" e do "populismo econômico”? Quando morre um homem representativo, três hipóteses se afiguram: sua época já havia morrido, morre com ele, ou lhe sobrevive. Na primeira hipótese, o homem representativo era uma relíquia, um dinossauro e suas "qualidades" passam a balizar o juízo do senso comum. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um morto político com o projeto que implantou, é um exemplo significativo da justeza desta hipótese.
A asfixia interna que se seguiu no campo liberal-conservador provocou uma redução vertical dos quadros do PSDB que, na origem, ainda resistiam à avalanche reacionária e eram vozes mais ponderadas em um partido que desde sempre foi marcado pela conciliação e por vacilações. As possibilidades de renovação são mínimas e as alianças possíveis só podem ser feitas com setores oligárquicos e atrasados. Não por acaso mídia e judiciário adquiriram centralidade no jogo político.
Passados dez anos da devassa tucana, o Brasil encontra-se como alguém que, após uma longa caminhada numa floresta completamente escura, conseguiu vislumbrar uma clareira, com vários caminhos à frente. Na verdade, a diversidade de rotas é uma ilusão, porque há apenas dois destinos. O primeiro caminho - o proposto por articulistas, redatores, consultores e analistas do "antigo regime" - levaria ao esmagamento de todos os avanços conquistados nos últimos dez anos.
Por essa rota, que ainda levaria ao esmagamento de toda a acumulação industrial feita a duras penas e à custa do sacrifício de várias gerações de trabalhadores, o Brasil voltaria aos primórdios da década de 1930. A outra - a que não aparece sequer como possibilidade nas páginas e telas das classes dominantes - nos conduzirá à continuidade de transformações jurídico-institucionais que, constituindo direitos a partir da relação direta com o Poder Público, faça emergir uma nova cidadania.
Com a reação negativa à determinação do governo federal em reduzir as tarifas de energia elétrica, a oposição matou Fernando Henrique e foi ao cinema. Mas, ironicamente, prestou o primeiro serviço à nação. Mostrou o mapa oculto na grande imprensa.
Gilson Caroni Filho
No Blog do Miro
Fonte -  Com Texto Livre 27/01/2013