sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Com apoio popular, Cristina Kirchner aprofunda opção pelos pobres e irrita conservadores

Internacional


Importantes setores laborais e eclesiásticos apoiam a profunda reforma social promovida no governo da presidenta Kirchner

Por Redação - CB
C/agências internacionais
de Buenos Aires
A presidenta argentina, Cristina Kirchner, ampliou nesta sexta-feira o seu raio de ação para conter os desafios que enfrenta no campo econômico, para combater a miséria no país, ao estudar nova restrição ao volume de exportações de carne bovina, um dos principais produtos na balança comercial. A decisão é mais um capítulo na queda de braço travada entre os setores mais à esquerda da sociedade argentina e a elite financeira e empresarial que sustentou a ditadura militar no país vizinho, uma das mais duras do continente. Apesar do amplo respaldo popular, Cristina tem sido fustigada por uma série de lockouts (greves patronais) no setor de transportes e alimentação, o que se traduz em transtornos no abastecimento e na guerra de propaganda que se desenvolve contra o seu governo.
Nesta manhã, as principais entidades agrícolas argentinas disseram que o governo federal restringiu as exportações de carne bovina, embora porta-vozes do governo contatados pela agência inglesa de notícias Reuters não tenham fornecido informações sobre a possível interrupção dos embarques da Argentina, que ainda é um dos principais exportadores de cortes de carne bovina, apesar da redução das exportações nos últimos anos.
“A Confederação Rural Argentina (CRA) rejeita a medida do governo nacional para interromper as exportações de carne bovina, sendo mais uma medida estranha, errada e negativa para todo o setor agrícola”, disse a associação de produtores em um comunicado de imprensa.
A restrição de exportações para alimentos como carne, milho e trigo tem evitado o desabastecimento local evitado a explosão de preços em um país que sofre com inflação alta, acima de 15% ao ano, segundo estimativas oficiais.
“Mais uma vez assistimos a mesma decisão autoritária para, na prática, bloquear as exportações de carne, medida que foi o início da crise no setor em 2006″, complementou a Sociedade Rural Argentina (SRA), por meio de um comunicado, emitido também nesta sexta-feira.
Na contramão do que alegam os empresários, no entanto, o preço da carne nas prateleiras dos supermercados argentinos teve, até agora, um aumento de 54%, bem acima de quaisquer dados de inflação, segundo contabilizou o chefe de Gabinete da Presidência, Jorge Capitanich. O executivo atribui o aumento exagerado a uma circunstância natural, as cheias dos rios em áreas de pecuária extensiva, com o alagamento dos pastos, e a dois fatores especulativos dentro da cadeia de comercialização: o um aumento da quota de exportação para a Europa e possíveis exportações para a Rússia. Diante deste quadro, os empresários do agronegócio aumentaram o preço da carne no balcão.
– A evolução do preço do gado melhorou substancialmente para o produtor nos últimos cinco anos. O aumento (dos preços) não está associado com licenças de exportação – disse Capitanich.
Na fronteira do marketing, para fustigar ainda mais o governo popular argentino, os empresários têm aumentado o preço sob a alegação de que houve um aumento nas exportações para a Rússia, quando na realidade os frigoríficos privados tomaram a decisão de não exportar para esse destino e têm disponibilizado a carne para consumo interno, a preços irreais e margens de lucro superiores.
Em sua conferência de imprensa, Capitanich reconheceu a existência de 138 pontos “com dificuldades operacionais, e eles estão aplicando o Programa de Produção de Revitalização (Repro), que fornece um mecanismo para uma atenção especial”. A reviravolta no setor, que começou a mostrar mercado nacional mais rentável para exportar, também resultou no encerramento de alguns estabelecimentos focados exclusivamente na exportação. O chefe de gabinete também disse que o preço da carne está ligado ao aumento da fronteira agrícola, o que teria ganhado 11 milhões de hectares para pecuária com a recuperação das pastagens.
Em 2013, a Argentina exportou 201.688 toneladas de carne bovina no valor de US$ 981 milhões, de acordo com o Ministério da Agricultura. Nos primeiros seis meses de 2014, 84.453 toneladas foram embarcadas, no valor de US$ 437 milhões. Em 2005, o último ano em que as exportações não foram limitadas, de acordo com os sindicatos do setor, as exportações do país sul-americano haviam totalizado 771.427 toneladas.

Usura internacional
A disputa entre os pólos econômicos argentinos é tão intensa no país que o governo, em sua luta contra o neoliberalismo, recebe o apoio até de significativa parcela da comunidade eclesial. Segundo o jornalista Washington Uranga, do diário portenho Página 12, a questão de fundo na disputa entre segmentos conservadores da sociedade argentina e a presidenta Kirchner está na sua opção de combater a miséria no país. Na véspera, o grupo nacional Curas en Opción por los Pobres emitiu, no encerramento de sua reunião 27ª reunião anual, o comunicado intitulado Não devemos mais continuar, para expressar sua rejeição “à imposição global do capitalismo liberal e da desigualdade que multiplica a pobreza e acelera a concentração imoral de riqueza em poucas mãos, condenar a usura fundos abutres internacionais e criticar os cargos eclesiásticos simpatizantes das políticas em favor dos poderosos e contra os pobres”. A organização atua em um amplo espectro social, com um poder de mobilização capaz de promover grandes manifestações no país.
No mesmo texto o grupo religioso oferece o seu apoio ao governo nacional em questões como a Lei de Abastecimento e manifesta o seu pedido para que, independentemente do resultado das eleições, sejam respeitados os direitos dos setores populares incorporados em anos anteriores. Olhando para a próxima eleição, os integrantes do grupo sublinharam que direitos foram adquiridos ao longo do tempo e que esperam “independentemente do resultado das próximas eleições, que esses direitos sejam ratificados e as pessoas podem sentir-se possuidores do que por direito lhes pertence”.
O grupo, cujo coordenador é o sacerdote Eduardo de la Serna, tornou-se referência para os padres católicos em seu compromisso de fé e na manifestação de seu apego às causas populares e ao acompanhamento das iniciativas em favor das camadas mais pobres e marginalizadas da sociedade. A maioria dos religiosos realizam trabalho pastoral nos bairros e vilas em todo o país. Muitas de suas posições, em desacordo com os bispos católicos conservadores, são colocadas publicamente, embora a maioria os padres ainda mantenham diálogo com seus superiores eclesiásticos.
Em sua declaração, os sacerdotes católicos celebram o governo nacional confrontado “com os poderosos setores que se recusam a necessária função reguladora do Estado em favor do bem comum com ferramentas como a Lei de Abastecimento, acostumados como estão a fazer sempre o que eles querem, para seu próprio benefício e em detrimento de toda a população”. Os sacerdotes que fizeram a opção pelos pobres também celebram “a democracia que, com todas as suas limitações como a nossa – nos permite viver em liberdade e celebrando a vida, apesar de tantas sombras que tantos querem derramar nas ruas de nosso país”. A unidade latino-americana que se manifesta no apoio ao país também é reconhecida como a “experiência cristã” do povo para o qual, dizem,”queremos continuar a apoiar”.

Tensões acirradas
Para conter o avanço do capital sobre os avanços sociais, no país, Cristina Kirchner chegou a cogitar a edição de uma lei antiterrorismo contra setores do empresariado que tentam subverter a ordem econômica e ampliar as dificuldades de abastecimento. A legislação prevista tem poder de ingerência do governo na produção de empresas privadas. O conflito ocorre em meio às incertezas sobre o pagamento aos credores da dívida argentina e diante da crítica de muitos economistas, que afirmam que o país está em recessão, com inflação crescente e temores de alta nas taxas de desemprego.

As principais câmaras de empresários do país divulgaram comunicados rejeitando as iniciativas do governo de utilizar uma lei antiterrorismo contra determinados negócios e de tentar votar o projeto de uma nova lei de abastecimento. Aprovada em 2011, a lei antiterrorismo foi citada pela presidente na semana passada, quando questionou o fechamento de uma gráfica na Argentina com capital norte-americano. Cristina Kirchner sugeriu que a gráfica Donnelley foi fechada deliberadamente pelos controladores norte-americanos para desestabilizar a economia argentina, com a demissão de 400 empregados. Os donos da gráfica alegaram que o fechamento ocorreu por conta de uma falência.
Cristina chegou a afirmar que usaria a lei antiterrorismo para processar os controladores da gráfica, mas o presidente da Comissão Nacional de Valores (CNV), Alejandro Vanoti, disse em seguida que houve “uma confusão” e que a lei não seria usada.

Abastecimento
Já o projeto sobre a mudança na Lei de Abastecimento, de 1974, começou a ser debatido no Senado ao longo desta semana e o governo espera aprová-lo nos próximos dias. Este projeto foi rejeitado pela oposição e pelo setor empresarial por “autorizar o governo a regular a cadeia produtiva, estoques e lucros”, segundo afirmaram empresários e políticos ouvidos pela agência britânica de notícias BBC.
A senadora da oposição Gabriela Michetti entende que, se aprovada, a lei dará ao governo “o poder de fechar empresas”. O representante dos ruralistas, Luis Miguel Etchevere, também reclama. Diz ele que lei seria uma violação da propriedade privada.
– Vamos apelar à Justiça – adianta.
A presidenta, no entanto, em um pronunciamento na véspera, afirma que empresários e o setor financeiro não têm motivos para preocupação.
– São leis para proteger o consumidor. Os projetos estão sendo debatidos e estamos abertos à discussão – esclareceu Cristina, durante um evento para celebrar o aniversário da Bolsa de Comércio (Valores) de Buenos Aires.
Aliados da presidente entendem que sua política econômica está no caminho certo. Para o economista András Asian, o kirchnerismo tirou o país da bancarrota e melhorou a vida dos argentinos.

Fundos abutres
O diário Página 12 reproduziu a imagem do juiz
homas Griesa ao lado de um abutre


Para os críticos do governo, a maioria deles ligada ao capital internacional, a presidenta marchou ainda mais à esquerda depois que um juiz de Nova York, Thomas Griesa, determinou que o governo argentino somente pague os juros da dívida de 2001, reestruturada em 2005 e em 2010, se também pagar àqueles que recusaram as ofertas do governo e exigem o pagamento integral dos títulos públicos – esses credores são os chamados ‘fundos abutres’. Nesta manhã, a Argentina acusou o juiz norte-americano que chamou o novo plano de reestruturação da dívida argentina de ilegal de fazer comentários “imperialistas” contra o país.
A terceira maior economia da América Latina caiu em seu segundo default em 12 anos em julho, depois que o juiz distrital Thomas Griesa bloqueou o pagamento a detentores de dívida emitida sob a lei norte-americana que foi reestruturada após o default em 2002. Griesa disse que as medidas anunciadas pela presidenta argentina para fazer os pagamentos da dívida localmente e levar detentores de títulos a levarem as dívidas que detêm para a jurisdição das leis argentinas violam decisões anteriores do tribunal, embora ele não tenha chegado a declarar o país em desacato.

Jorge Capitanich, na entrevista desta manhã, disse que as palavras escolhidas por Griesa foram “infelizes, incorretas e até mesmo, eu diria, expressões imperialistas”.
– Merece repúdio de caráter coletivo … as infelizes declarações do juiz Griesa, que constituem uma ingerência indevida de um magistrado de outro país sobre a soberania da República Argentina – disse Capitanich.
Em comunicado divulgado no final da quinta-feira, o Ministério da Economia da Argentina disse que as declarações do juiz veterano demonstraram uma “completa ignorância do funcionamento de instituições democráticas”.
Analistas dizem que um acordo entre a Argentina e os fundos de investimento norte-americanos que rejeitaram a reestruturação é agora improvável antes da eleição no país no próximo ano, na qual a presidente Cristina Kirchner não pode concorrer.
Fonte - Correio do Brasil 22/08/2014

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